
Ela saiu de casa decidida em cima do seu saltinho. A idéia era amaciar os sapatos quase novos, usados apenas um par de vezes, para depois adotá-lo como do dia-a-dia. A tarefa pareceu-lhe fácil até digamos, metade do caminho. Não sei porquê depois de usar um salto considerável durante o casamento ela fantasiou um 2010 visto mais de cima. A empolgação foi tanta que o último que comprou era ainda mais alto. Talvez beirando o limite que seu corpo consegue o tal equilíbrio classudo, porque não tem coisa mais feia do que uma mulher de salto agulha caminhando como se estivesse com a virilha assada.
O roteiro de hoje era uma consulta ao oftalmologista e um happy hour que não aconteceu. Voltou para casa já com os pés falando mais do que a cabeça. Parou na igreja pra falar com Aparecida, velha companheira de rezas. Dali seguiu pelo caminho de sempre, enfrentando os seis ou oito longos quarteirões, que nunca pareceram tão longos. Uma voz interna dizia com sarcasmo: Força na canela querida!
A cada passo ela pensava nas havaianas, mas também percebeu que os homens a olhavam mais. Pensava: Será que é verdade isso do peito crescer e a bunda também? Sei lá! Ao chegar no inicio da sua rua imaginou uma crônica e apressou o passo para não só cair nas teclas, mas principalmente livrar os pés daquela arma de dor e de sedução. Em casa já aliviada devorando uma tortinha de maça com chá gelado refletiu: Quem nasceu para rasteirinha um dia chega a saltão?