quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Fera, bicho, anjo...Mulher


No inicio dos tempos ser mulher era ser deusa, pois se pensava que o poder que o sexo feminino tinha de gerar a vida era mérito somente dela, vindo de um poder imaculado dado somente à fêmea. Durante séculos reinamos absolutas desde o fim do período paleolítico ao princípio da idade do bronze. O propósito da deusa era simples: O cultivo da terra aportando os meios materiais e espirituais para uma vida em perfeita harmonia. Não existia submissão por parte do mais frágil, nesse caso, o homem. Nessa época o lema era “eu sou de todo mundo e todo mundo me quer bem”, como aquela canção pegajosa dos Tribalistas.

Um belo dia alguém descobre que o macho também é protagonista na fecundação. A deusa foi retirada do pedestal e depois de tal descoberta, o mundo passou a ser masculino. O sêmen era o verdadeiro Deus da criação e símbolos fálicos passaram a ser adorados. A força da ira masculina por ter se sentido enganado, fez com que surgissem as relações de poder extremante autoritárias entre macho e fêmea. O mundo fecha as cortinas para a deusa e abre para o herói-guerreiro.

Essa é somente uma pequena parte da longa história das relações entre os sexos na terra, ainda tem uma longa jornada até a queima dos sutians em praça pública. Falo desse fato porque para boa parte das mulheres do mundo, esse também foi um divisor de águas, ainda que bem menos drástico. A nossa história feminina me faz lembrar, não me pergunte o porquê, a dos felinos. Admirados e exaltados numa época e abominados em outra, depois queridos de novo, mas que até hoje cultivam uma dose do preconceito humano, assim como os pombos...Mas isso é uma outra história.

Repassando o enredo das minhas ancestrais, não me cabem dúvidas de que sempre fui desse time, desde o principio. Costumo dizer que em todas as encarnações fui mulher. É algo muito forte dentro de mim. Consigo me ver Deusa, bruxa perseguida, mulher tuareg seguindo as sombras do deserto, cigana em volta do fogo. Tenho dezenas dentro de mim e é nesse caldeirão de tipos que renasço a cada vida. Nessa em que habito com meus olhos grandes e mãos pequenas, cabem todas sem exceção. Talvez por isso, por ser um pouco de cada uma das que acredito ter sido, eu não me sinta confortável em mundos pequenos, aqueles onde não se possa espreguiçar e ter a liberdade de voar e voltar ou fazer ninhos em lugares diferentes e me sentir em casa em cada um deles.

Nessa vida já fiz ninhos em diversos lugares. Acho que os ninhos são feitos não de móveis e concreto, mas de alguma substância etérea como hálito de anjos e perfume de borboletas. Os ninhos são aqueles lugares onde costumamos suspirar de relaxamento, prazer ou beleza. Conservo até hoje meu ninho na casa da minha mãe...Uma rede armada no jardim de inverno. Na minha infância também tive ninho num galho de uma árvore, adorava aquele refúgio, principalmente na época das seriguelas. Nunca entendi a ligação que minha avó fazia entre comer a fruta quente pelo sol e crises de garganta que poderíamos ter, mas em todo caso, esperava esfriar para comê-las.

Falar de mulher é falar de ninho. Mas as palavras já me fogem e eu fico a pensar nos homens. Quantos desejariam descobrir o que é ter esse ninho e toda carga que isso traz para nossa vida, nem que fosse por um dia.

3 comentários:

  1. "Costumo dizer que em todas as encarnações fui mulher. É algo muito forte dentro de mim"... Eitá.

    Meu pé de siriguela, muitas, de vez, prontas para eu. Suculentas. "Deixa esfriar menina!

    Adorei todo texto. "Ah se os homens soubesse o poder do ninho!"

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  2. Falar de mulher é falar de amor, de mãe, de ninhos tão confortáveis como o seu blog, querida! Bateu saudade de Brejo Santo ouvir você falar do ninho que deixou lá! Também tenho uma rede armada no jardim da minha casa a sempre me esperar!
    Abraços.

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  3. Obrigada queidos, adorei a visitinha de vcs!

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